sábado, 29 de dezembro de 2012

Feliz Ano Novo

2012 foi o melhor ano de minha vida.
Aprendi a ser gente, enfim.
O câncer me fez uma pessoa melhor e pude compreender a grandeza humana, na prática.
Foram e ainda são tantos os afagos, os gestos, as palavras e ações que não posso sequer pensar em enumerar.
Não existe o "muito obrigado" a dizer, mas gratidão, eterna.
Que 2013 nos traga mais sabedoria, compreensão, paciência e amor, principalmente o amor.
Feliz Ano Novo!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Viva a Vida: adeus câncer (estou zerado)

Viver a Vida, sim, mas é melhor ao lado de gente que gosta da gente, que vibra com nossos acertos e torce pela nossa saúde.
Melhor ainda é ter ao seu lado um bando de gente boa a dar apoio, estímulo e coragem para não desistir, nunca.
Viva a Vida, agora com muito mais acertos que erros, espero, e muito mais disposição, confio.
A todos, o meu mais sincero agradecimento pela vibração, pelas palmas,

apertos de mão e inúmeros, incontáveis, acho, abraços e beijos pelo câncer zerado (não se pode falar ainda em cura, só em cinco anos, com as revisões a cada quatro meses).
Sorte não é palavra que se usa em Medicina, diz o meu querido oncologista Bartolomeu Melo, do Real Hospital Português e do Hospital Oswaldo Cruz. Ele tem razão. Um câncer se combate com amor, carinho e muita amizade. E eu tive tudo isso por onde passei, com as pessoas com quem conversei sobre a doença e com os pacientes, enfermeiros, técnicos em radioterapia e pessoal da limpeza do Hospital Real Português.
Sem eles, o combate seria mais difícil, dolorido, danado de ruim.
Entre todos os que me ajudaram a caminhar, a aceitar e a não cair, está uma mulher que ainda não conheço pessoalmente, mas parece que a tenho ao meu lado desde sempre.
Uma mulher a quem chamo de "minha linda" nos twitter da vida, no Facebook e no Instagram.
A Naire Valadares, uma vencedora na vida e que encarou um câncer com muita coragem e humor, os meus mais profundos desejos de muita paz, leais amigos e muita alegria.
Com ela aprendi a descartar o "por que bem eu, meu Deus", para encarar o "porque não?".
Seu blog me orienta, guia e conduz, Naire Valadares.
Fiquei sabendo hoje (12-12-2012 às 15h32) que o câncer desapareceu da minha corda vocal direita. O primeiro diagnóstico antes da biópsia foi dado no dia 12-04-2012.
Agora, esperar pelas revisões durante cinco anos (revisões de quatro em quatro meses) para checar se o danado não quer voltar ou se voltou.
Vou esperar. Afinal, cinco anos a gente tira de letra, não é meu Deus?
Obrigado, Senhor! 
Foto tirada ao entrar na redação do Jornal do Commercio após saber o resultado. Surpreso e muito emocionado com a maior recepção ofertada pelos companheiros.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Força, corintiano!

Voltei a rezar, retornei às orações sentidas, aquelas que saem do fundo da alma e explodem em emoções. Hoje rezei pelo Mateus, aquele adolescente que foi meu parceiro na radioterapia e que luta contra um tumor maligno na área do pescoço/cabeça. Tão jovem, inteligente e corintiano. Os rins falharam depois de uma forte pneumonia, entrou em hemodiálise e a situação é grave, muito grave. Mas acho que Mateus é muito mais forte que eu (não sei é se terei forças para suportar a sua perda).

domingo, 18 de novembro de 2012

A dor que não passa

O livro Últimas palavras (Globo Livros), de Christopher Hitchens, é um murro no estômago do paciente de câncer.
O autor, que começou a escrevê-lo ao ser diagnosticado com um câncer no esôfago, morreu da doença.
Nele, o autor descreve a sua luta contra a doença e como se manteve fiel às suas convicções filosóficas e políticas. Ele foi um dos intelectuais mais influentes das últimas décadas nos Estados Unidos e na Inglaterra, onde nasceu.
Polemista brilhante e intransigente defensor do ateísmo, foi um jovem de esquerda que se alinhou, na maduridade, aos conservadores republicanos. Foram sucesso de audiência e leitura seus embates com o ex-secretário de Estado (EUA) Henry Kissinger e até com Madre Teresa de Calcutá, já que achava que a religião era fonte de grande parte da tirania no mundo.
Morreu em 2011, um ano e meio depois de descobrir que tinha câncer.
Christopher Hitchens dizia: "O fato fascinante sobre estar mortalmente doente é que você passa bastante tempo se preparando para morrer com um bocadinho de estoicismo (e de provisões para os entes queridos), enquanto está simultânea e altamente interessado na questão da sobrevivência".
A clarividência sobre a doença por parte do paciente, no entanto, se torna até incômoda, agressiva e mal-educada (oras!) quando ele, afinal, vaticina: "Não estou lutando ou batalhando contra o câncer - ele está lutando contra mim".
Amém!



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A voz do dono

Retorno à Radio JC/CBN Recife apesar de a voz ainda nao ser a mesma, mas a saudade era grande apos um ano afastado dos comentãrios no final da tarde ao lado do radialista Aldo Vilela.

A volta ocorreu pela insistencia do Aldo Vilela que parece que leu meus pensamentos. Ele também ajudou o escritor Raimundo Carrero que teve um AVC quase perdeu a voz mas continua com seus comentarios preciosos sobre literatura na radio.

Amigos aparecem para nos defender proteger e incentivar.

Aldo Vilela é assim, nāo pode ver um amigo sofrer.

A voz do dono do titulo é a dele!

Minha bela

Volto a ler o turbantedanaire.blogspot.com.br e sou surpeendido com textos estupendos de viagem, revelações sentimentos e descrições que  me provocam risos e choros.

Naire Valadares me encanta pela sensibilidade, oraçāo direta e coraçāo sempre aberto para o mundo.

Caminho com ela pelas ruas de Lisboa, seus cantos e encantos, ruelas becos e praças. Que mais posso querer?


Naire tem conta no instagram -  nairevaladares. É por lá que vejo Lisboa atraves de suas fotos textos e uma multidāo de amigos que comentam seus roteiros diãrios. Maravilhosa viagem pela internet.

Naire é uma vencedora. Derrotou com sua alegria carinho amor e esperança a surpresa avassaladora de um cāncer.

Ela é uma guerreira e eu a chamo de minha bela.

Embalo vital

Penso que o câncer apareceu pra me dar um freio na minha vida, para depois me dar um empurrão em direçāo a uma nova vida.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Anjos da Guarda


Quando menino minha mãe me ensinou a rezar o "Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador. Se a ti me confiou a piedade Divina, Sempre me rege, me guarde, me governe, me ilumine. Amém".
Durante anos, antes de dormir, apelei ao meu Anjo da Guarda por uma noite boa e saúde para o resto da vida. Sempre acreditei na existência dele.

Hoje, vejo que os santos, assim como os anjos, não estão mais nos altares, eles cruzam conosco nas ruas.

O diagnóstico de câncer me deu a certeza de que tenho mais que um Anjo da Guarda - uma legião deles à minha volta. Se o diagnóstico me fez dramatizar, a princípio, a doença ("por que bem eu, meu Deus?"), a chegada paulatina dos meus Anjos me fez ver a tragédia por um outro prisma ("Por que não?") e aceitar o câncer com resignação, disposição e alegria.

São muitos, hoje, os meus Anjos da Guarda.

Eles me cercam e amparam desde o dia 12 de abril de 2012, quando o diagnóstico de um tumor ("tem mais chance de ser maligno", garantiu o otorrinolaringologista) puxou literalmente o meu tapete, me obrigou a ver que a vida como passageira e abriu uma porta para uma experiência que jamais imaginei vivenciar - julgava inatingível por qualquer doença. Total falta de conhecimento da vida. Estava preocupado com a minha profissão e o trabalho para pensar em mim.

Os meus Anjos da Guarda, pasmem!, têm nomes, sobrenomes e profissões. A maioria deles está no Real Hospital Português, no Recife, um mundo de doenças e de curas.

Outros, como o médico e cirurgião João Veiga, entraram na minha vida bem antes da doença e foi ele, dr. João Veiga, quem abriu o Portal dos Anjos da Guarda que me cerca, apoia, me dá força e diagnósticos precisos que me fazem ir em frente (por ordem de chegada em minha vida):

Os médicos Sérgio Azevedo (cardiologista que me deixou apto para a biópsia), Bartolomeu Melo (cirurgião de tórax e cabeça, que fez a biópsia e através do qual conheci o Seu Lula, pequeno e idoso trabalhador rural da cana de açúcar queimado pelo sol que ficou curado de um câncer na corda vocal, igual ao meu) e Jonathan Melo (oncologista que acompanhou as 33 sessões de radioterapia e me ensinou muitas coisas para eu passar a conviver melhor com a doença e com os demais que me cercam).

Deles recebi muita atenção, tratamento digno e carinho e compreensão. Através deles pude constatar o grau de profissionalismo no Real Hospital Português, o que me emociona e me provoca admiração.

Outros profissionais, porém, estiveram muito mais próximos de mim no Real Hospital Português durante o tratamento, quando descobri que não são apenas profissionais capazes e dedicados, mas seres humanos incansáveis, que estão sempre dispostos a dar apoio, conforto e estímulo aos pacientes de câncer, sejam eles quem for. Os que se apresentam com carteirinha de plano particular ou através do SUS.

Sou testemunha de cenas inesquecíveis de pura bondade humana e fui beneficiado pela atenção e carinho desses profissionais. Assim como os pacientes da radioterapia que todas as manhãs recebem um aceno, um aperto de mão, uma palavra amiga, um estímulo e aquele sorriso quando a aparência e a disposição, as nossas, já não são das melhores por causa da violência da quimioterapia, dos remédios e daquele desânimo que muitas vezes toma conta da gente quando a voz some e tudo parece não dar certo.

No meu caso, a vida me privou por um bom tempo da minha liberdade de expressão.

A eles, então, as minhas mais doces lembranças:

Mariluce, Jodielson, Maria, Sérgio, Fernanda e Manuela (técnicos que merecem o maior respeito pelo trabalho que fazem e pelos cuidados com o paciente).
Tatiana (enfermeira que me ensinou a cuidar melhor de mim).
Fátima, Glauce, Cleine, Nevinha e Dona Carminha (da recepção onde ouvi sempre com muito prazer e alegria aquele diário e sonoro "Bom-dia, Seu Paulo").
Lúcia e Simone (da limpeza, das quais tive sempre uma palavra de estímulo).

Não conheço ninguém que sente falta da radioterapia e quimioterapia (que não experimentei, graças a Deus), nem dos remédios, os enjoos, as dores no corpo e aquele desânimo que toma conta da gente, muitas vezes. Mas confesso que sinto, sim, falta, apesar da máscara que me prendia à mesa e me fazia respirar apenas pelo nariz, disparava o coração e forçava a imobilidade numa mesa gelada, em uma sala gelada (o que era bom) e envolto por um aparelho imenso.

Sempre soube quando a sessão iniciava e terminava pelo ruído da máquina, mas só relaxava e voltava a respirar normalmente quando a porta daquela sala se abria (que maravilhoso e mágico ruído aquele). E, ainda do lado de fora da sala, uma voz me garantia, com convicção e certeza: "Acabou, meu querido, acabou".

Era a Mariluce. Sempre a doce e a atenta Mariluce que retornava à sala com seu enorme e generoso sorriso para retirar aquela máscara e me libertar daquela imobilidade que durava um minuto, mas parecia não terminar nunca. Sim, sinto imensa falta daquele aviso da Mariluce que me fazia renascer.

Na radioterapia do Real Hospital Português aprendi a melhor lição de minha vida ao conviver com tantos pacientes e conhecer histórias, dramas, dores, perdas e curas. Aos 64 anos, próximo da aposentadoria (2013) e hoje, por certo, um ser humano muito melhor. Ninguém sai ileso de um câncer sem mudar o seu jeito de ser. É o preço do pedágio para continuar vivo.

A lição? Ela é bem simples: o câncer odeia o amor, o carinho e a alegria. Meus Anjos da Guardam sabem muito bem e me deram tudo isso.

A eles, o meu mais profundo e sincero agradecimento.

Ao Real Hospital Português, a minha maior surpresa. Costumo dizer, em tom de brincadeira, quando quero descrever o meu entusiasmo pelo hospital, que o RHP é tão bom que jamais encontrei um papel no chão em suas dependências, por onde tive a sorte de cruzar com seres humanos de primeira categoria.

Paulo Sérgio Scarpa
Recife - Setembro 2012

domingo, 9 de setembro de 2012

Cenas da radioterapia

Sala de espera da radioterapia do Real Hospital Português (duas fotos), no Recife, onde aguardei a vez ouvindo a Rádio JC/CBN, anotando trechos para o blog ou enviando twitters para irmãos e amigos.
Calendário marcado com os dias das radioterapias realizadas: expectativa constante durante quase três meses para completar as 33 sessões (uma foto) determinadas pelo médico.



sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Ouvindo Clarice

Clarice Lispector mexe comigo como se eu fosse um adolescente.

Tudo que ela escrevou serve para mim.
 
"Hoje acordei pra viver, levantar e seguir em frente.
 
"O tempo é que mostra o que realmente valeu a pena, o tempo nos ensina a esperar, o tempo apaga o efêmero e acaba com a dúvida".
 
"Em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã."
 
"As pessoas, de muitas maneiras estranhas, tortuosas, piradas, no final das contas só querem amar e ser felizes."
 
"E eu digo sempre no final de cada conversa: Te cuida, meu bem. Com vontade de dizer: Me cuida, por favor, pois meu eu está em você."
 
"Quando você tem a capacidade de não falar, não ligar e não se importar, está aprendendo o que é ser forte."
 
E com o câncer, fiz como ela aconselhou:
 
"Eu comecei minha faxina. Tudo o que não serve mais (sentimentos, momentos, pessoas) eu coloquei dentro de uma caixa. E joguei fora."
 
 

Despertar generoso

Acordei hoje com a voz tão boa que até esqueci que estou com câncer.
 
A voz não está totalmente boa, mas antes do câncer também não era boa (hehehehehe).
 
Como é bom a gente falar e ser compreendido, já estava cansado de fazer mímica.
 
O feriado começou bem para mim.
 
Que despertar generoso, meu Deus!
 
PS1: dia 14 tenho médico no Real Hospital Português. O dr. Jonathan Melo vai dizer como estou e o que devo fazer. E me enviar ao dr. Bartolomeu Melo, que cuida de mim e fez a biópsia, para iniciar as revisões.
 
Será a primeira consulta médica após o término da radioterapia, no dia 1º de agosto passado.
 
Não estou contando vantagem nem fazendo festa antes do tempo, mas me sinto preparado para o resultado, seja ele qual for.
 
PS2: Tenho trabalhado tanto que nem tempo tenho mais de pensar no câncer, a não ser quando alguém pergunta como estou ou se interessa pela rouquidão aconselhando algum remédio caseiro (aí eu conto, nunca omiti o câncer nem escondi de ninguém a doença)

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Curtir a vida

 "A vida é curta, rápida e dolorosa demais. Uma das necessidades que tenho é relacionar-me com as pessoas que admiro. conhecê-las e criar uma relação de igual para igual com elas".
 
O pensamento é do cineasta português Miguel Gonçalves Mendes, 33 anos, que passou quatro anos ao  lado do escritor José Saramago, morto em 2010, e de Pilar del Río, sua mulher. Desse encontro nasceu o documentário  José e Pilar , uma obra delicada, sensível e amarga que acabei de ver em vídeo. A frase acima está na Revista Cultura, em uma entrevista dada pelo cineasta no momento em que lança no Brasil o livro José e Pilar: conversas inéditas, um apanhado sobre os bate-papos e as centenas de horas gravadas que ficaram fora do filme.
 
Se eu tivesse tido a sabedoria de Miguel Gonçalves Mendes, que teve a sorte de escolher uma profissão que lhe deu oportunidade de ter grandes amizades. Eu não tive esse privilégio pelas cirscuntâncias profissionais (a tal da imparcialidade e distanciamento brechtiano que se exigia de nós - sequer fui filiado a um partido político - e que as novas gerações enterraram) e por ter colocado o trabalho, sempre, acima de qualquer compromisso particular desde os 17 anos, quando comecei, como revisor, a trabalhar em um jornal em São Paulo.
 
Curtir a vida. Melhor seria com quem admiramos.
 
PS: Nunca fui filiado a partido político, mas confesso que tive uma enorme e incontrolável paixão política, que nasceu em 1978, em São Bernardo do Campo, e morreu em 2006, infelizmente.  

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Aguardando o resultado

Retorno ao blog depois de algum tempo. Não tinha nada a dizer, mesmo, após o término da radioterapia.

Ainda aguardo o resultado dos efeitos da rádio no câncer na corda vocal e a espera muitas vezes me angustia, quando me lembro que estou com a doença.

Não fico pensando nela o dia inteiro, mas quando a voz falha ou fica mais fraca, lá vem o danadinho encher a minha cabeça. Será que está tudo bem? O que vai acontecer comigo?

Preciso ficar mais otimista já que o tratamento foi melhor que o esperado. Logo, espero que o início das revisões seja marcado pelos médicos. E aguardar os cinco anos para dizer um tchau definitivo à doença.

Até lá, continuarei trabalhando, agora com outro ritmo e muito mais disposição, mas ainda não estou como antes, sei disso.

Mas aquela fome continua.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Minha vida


Acordei, hoje, às 9h, com um sentimento muito estranho e uma disposição que não sentia há muitos anos: a certeza de que havia renascido.

Pode parecer ainda mais estranho, mas o sentimento ocorreu no momento em que, na noite anterior, passei pela última (33ª) sessão de radioterapia, uma alta desejada desde a primeira semana do tratamento contra o câncer na corda vocal, que foi a coisa mais assustadora e reveladora de minha vida.

Mais estranho, ainda, foi a disposição que tomou conta de mim durante a manhã e que ainda toma conta de meu corpo e alma neste momento em que escrevo.

Uma felicidade movida à energia, uma alegria imensa que me faz aguardar com paciência e resignação o relatório final do dr. Jonatahn Melo sobre o meu estado de saúde para ser encaminhado ao oncologista e cirurgião de cabeça e tórax Bartolomeu Melo, a quem caberá as revisões periódicas.

Estou tranquilo, muito feliz e surpreendido com o passar rápido das sessões de radioterapia. Difícil foi me despedir (e agradecer, claro) aos médicos, aos radiologistas, aos técnicos, enfermeiros, pessoal da limpeza e as atendentes do setor de Radioterapia do Real Hospital Português.

Todos estiveram a meu lado (e junto de pelo menos 160 pacientes diariamente). A eles, atribuo grande parte da recuperação e do combate ao meu câncer, pelas palavras trocadas, pelos abraços, apertos de mão e pela generosidade e profissionalismo com que me trataram e tratam os pacientes do RHP.

Acho até que trocarei a data de meu aniversário: passarei de 1º de abril para 1º de agosto (serei Áries e Leão) e, em 2013, espero festejar o primeiro ano do resto de minha vida.



terça-feira, 24 de julho de 2012

Contagem regressiva

Faltam apenas cinco sessões para o término da radioterapia, caso esteja tudo bem, o que espero com todas as minhas forças, rezas e esperanças.

Estranho: na reta final, me acostumo com a máscara para impedir os movimentos da cabeça, controlo a respiração e os batimentos cardíacos e não sinto mais aquela agonia das primeiras semanas.

Só fico preocupado, confesso, quando a porta não abre e não ouço aquele barulhinho salvador de que a radioterapia, enfim, chegou a mais um final.

Enquanto isso, desde sábado passado, sinto que a energia volta a meu corpo com uma força diferente, tenho caminhado com mais entusiasmo e ritmo e tenho aumentado as distâncias sem me cansar. O mesmo ocorre à noite, quando o sono volta a ser como antigamente, não está vindo mais acompanhado de cansaço nas pernas e ombros.

Não sei se tudo isso é fruto da vontade de encerrar mais um ciclo na minha vida, e aguardar os próximos passos para a cura definitiva do câncer, ou se de fato a radioterapia já avisou a meu corpo que o câncer já é mais aquele perigo todo.

Estou em contagem regressiva para o meu reencontro com a vida.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Alegria, alegria

Entro na fase final, faltam apenas seis sessões e saio da radioterapia com muita mais disposição quando fiz a primeira sessão. E três quilos mais gordo - eita fome desesperada e danada.

Impressionante como o organismo reage positivamente e como muda tudo, até humor, para melhor, e a maneira como encaro a vida.

Rezo a Deus para que tudo esteja certo, oraite, como dizem por aí, e que a última tomografia indique o fim da trajetória. Se não for assim, estarei na luta, pode acreditar.

Nada melhor que um dia após o outro para a gente se encontrar. E acordar com muita disposição ainda é uma das melhores sensações da vida.

Alegria, alegria

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Lição de vida

"Sorrir não mata. Viver não dói. Abraçar não arde. Beijar não fere. Rir não machuca".

"Você não tem motivos para não tentar ser feliz'..

O texto acima é de Clarice Lispector, a grande escritora que viveu durante a infância no Recife e que tem uma das obras mais intensas sobre o (RE) descobrimento do humano.

Lição de vida para copiar e colocar na carteira.

PS: O pensamento de Clarice Lispector foi "roubado" do twitter de Alexandra Torres, radialista e mulher de imensa fé

terça-feira, 17 de julho de 2012

Sem voz

O câncer na corda vocal tem um grande inconveniente para qual nem sempre estou disposto a ter paciência: a perda quase total da voz.

Como a radioterapia bombardeia o câncer diariamente, o local fica muito sensível a qualquer vibração e incomoda muito quando forço para tentar ser compreendido.

Não me acostumei ainda a falar com gestos, embora seja descendente de italianos, nem sei usar a linguagem dos sinais.

Falar, só agora me dou conta, é das melhores coisas da vida. Poder se expressar revelando seus sentimentos pela voz é diferente do ato de escrever. Por isso, admiro os atores, os cantores e os oradores.

Gosto de ouvir poesia lida em voz alta, não precisa ser declamada, assim como adoro Luciano Pavarotti e Plácido Domingo (que estará em Fortaleza para a inauguração de uma fábrica em agosto), além da minha cara Maria Callas cantando Verdi, Bellini ou Rossini.

Estou praticamente mudo porque me cansa dizer alguma coisa, mesmo sussurrada. Passei sábado e domingo em casa lendo, vendo filmes e televisão. Não abri a boca, a não ser para comer já que a fome continua a mesma.

O médico diz que após as 33 sessões de radioterapía, se tudo estiver bem, a voz voltará aos poucos, talvez mais grossa, provavelmente bem mais grave.

Até lá, estarei atento a tudo que ouço.

Afinal, compreendo o poder do silêncio dos monges trapistas e o bem que faz uma meditação. Mas estou contando os minutos para voltar a falar porque descobri que é muito bom você poder dizer o que pensa e como pensa.

Por isso, minhas saudades dos tempos da Rádio JC/CBN ao lado de Aldo Vilela e das participações em entrevistas convidado por Geraldo Freire na Rádio Jornal.

Definitivamente, não nasci para ficar calado.

Altos e baixos

Nem todos os dias foram feitos para o sucesso. Nem todas as sessões de radioterapia apresentam melhoras imediatas nos pacientes.

Há dias em que o abatimento parece tomar conta da gente, o desânimo aparece e a descrença com o tratamento nos atinge de uma maneira tão brutal que nem acreditamos que está a acontecer.

Mas continuamos a acreditar que o amor, o afeto e a alegria são as melhores e mais poderosas armas contra o câncer, seja ele de que tipo for. Só quem não tem a doença acredita no contrário.

Não falo de mim, jamais. Não posso me queixar do tratamento, da atenção e carinho que recebo diariamente do pessoal da radioterapia do Real Hospital Português nem da esperança que cada dia fica mais forte.

Escrevo sobre aquela família, pai e mãe, que chegou amparando o filho adolescente da maneira mais carinhosa e linda do mundo.

Hoje, os dois exibiam na face o estado de saúde do filho, que não desiste de lutar apesar de alguns dias estar mais abatido, como agora.

Me deu uma vontade danada de chegar junto aos dois e dizer baixinho: "Ânimo, ele precisa de vocês dois assim como nós, aqui, precisamos de vocês três e do sucesso de seu filho".

Não disse porque achei que interromperia aquela união de uma família na sala de espera da radioterapia: o filho encostado no peito da mãe, o pai abraçado com a mulher.

Neguei a desmanchar o quadro, mas fui surpreendido pelo imenso sorriso que a mãe me dirigia como se advinhasse meus pensamentos e o que escreveria.

A vida, como a doença, é feita de altos e baixos.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Vida nova

Aquela mãe que embalava o filho adolescente no colo enquanto era abraçada pelo marido na sala de espera da radioterapia do Hospital Real Português não é mais a mesma.

O rosto da jovem mãe está iluminado, o sorriso tomou conta de seus dias e a alegria passou a fazer parte também da vida daquele pai sempre presente, calado e discreto.

O motivo é o mesmo: o menino que chegou amparado pelos dois, que dificilmente conseguia se mover e caminhar por conta própria e que parecia sofrer muito, também não é mais o mesmo.

Ele já conversa, mexe com o celular na internet, sorri muito, caminha, apesar de uma certa dificuldade, e demonstra estupenda melhora com a radioterapia. Uma mudança em apenas duas semanas.

Por certo, resultado da força de ser jovem e do acerto da medicação, mas consequência do explícito amor dos pais e do carinho que é tratado por todos.

É como se uma vida nova tivesse se apossado daquele corpo jovem e moribundo e mexido com todos nós.

Sopa caseira

Não costumo nomear os personagens do blog, até por respeito a quem conversa comigo quase em total confidência. Hoje, porém, será uma exceção pela delicadeza da história.

O nome é Dorinha, tem pelo menos 50 anos, mas poderiam ser bem menos. Faz radioterapía para curar um câncer de mama após ter sofrido muito com as consequências danosas da quimioterapia. "Ela me maltratou muito, muito mesmo, ficava caidinha, sem muito ânimo", contou.

Hoje, já na fase final  da radioterapia, Dorinha tem um ânimo encantador para contar histórias, falar sobre o tratamento e incentivar os pacientes a seguir em frente, sempre com muito ânimo e alegria.

Agora, diz ela, já pode se considerar em um ritmo normal de vida, apesar de uma certa insônia que a atacou na última semana. "Mas não perdi o ritmo não. Acordo cedo, faço o que tenho fazer em casa, cuido das coisas e me mando para o fogão para cozinhar. Adoro cozinhar e fazer uma sopa, que a família adora e que eu gosto muito que todos gostem".

A sopa de Dorinha é famosa no bairro, na rua onde mora e já é conhecida dos pacientes. Leva carne de vaca, vários tipos de verduras e um tempero todo especial, mantido em segredo. Sobre sua nova vida, Dorinha revela que muita coisa mudou, pode-se dizer até que se considera uma nova mulher.

Hoje, garante ela, "sou a nova Dorinha".

A voz do dono

Como previsto pelo oncologista Jonathan Melo, do Real Hospital Português, a minha voz chega a seu limite mais baixo e sem força. E a tendência até o final da radioterapia é ficar ainda pior.

Pior? Pode ser possível?

A jornalista Gerlândia Bezerra, que foi  durante anos minha companheira aqui no Jornal do Commercio (ela era da TV Jornal), é quem tem toda a razão. Eu, que adoro falar, segundo avaliação dela, e eu concfordo, fui ter um câncer bem na corda vocal.

A voz, porém, promessa médica, deve voltar aos poucos. Vou esperar.

O dr. Jonathan Melo me perguntou na primeira consulta, logo após a biópsia que confirmou o câncer, qual era minha expectativa em relação ao retorno da minha voz. Não tive dúvida ao arriscar: Se o senhor conseguir que ela volte igualzinha a do radialista Geraldo Freire, ficarei eternamente agradecido.

A voz que vier, eu traço. Só quero é estar vivo! 

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Minha galera

 A radioterapia me proporciona momentos inesquecíveis, como aqueles que converso com algumas pessoas, pacientes como eu.

Confesso até que gosto de trocar ideias sobre o tratamento, ouvir como cada um enfrenta os problemas que surgem sem a gente querer e como eles conseguem vencer outros.

Já percebi que entrei naquela boa rotina de chegar antes da hora marcada para o atendimento apenas para poder estar junto com aquelas pessoas muito especiais, que carregam os seus problemas e a sua esperança de alta. Agora sei como é bom a troca de experiências e como as conversas só me fazem bem. Algumas histórias são pesadas, tristes, trágicas até, mas estamos ali para dar suporte a quem precisa, unidos.

Já somos cinco. Amanhã poderemos ser muito mais.

É a minha galera.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Dia de festa

 Amanhã será dia de festa e de despedida na radioterapia do Real Hospital Português.

Nada de salgadinhos, refrigerantes ou balões coloridos, mas a certeza, para quem fica, de que um dia será a sua vez.

Dois pacientes, um com câncer de próstata e o outro na corda vocal, realizam a última sessão de radioterapia e a notícia se espalhou como vitória na Loto.

Afinal, a última sessão chegará para todos, mas ver a felicidade estampada nos olhos dos dois homens deixa qualquer um emocionado e parceiro na alegria, dele e da família.

Será dia de festa para os que partem para viver a vida livre de um câncer (só estará sujeito aos cinco anos de manutenção), mas um dia muito especial para nós que permanecemos.


segunda-feira, 2 de julho de 2012

Força jovem

 A jovem ao meu lado fecha os olhos enquanto espera pela radioterapia.

Já passou pelas sessões de quimioterapia sem enfrentar enjôos, dor de cabeça ou cansaço, uma sorte danada. Sofreu apenas com a queda dos cabelos e um soninho após as sessões.

Ela descobriu um câncer de mama enquanto amamentava o primeiro filho, um recém-nascido.

Hoje, aguarda pacientemente o fim do tratamento, vive no Interior do Estado e está cansada desse ir e vir todos os dias deixando o filho com a mãe.

A jovem sabe que afeto e bom-humor são armas poderosas contra qualquer tipo de câncer. Por isso, resignada, mas jamais vencida, prepara-se para um ato definitivo em sua vida já que a doença mexeu com a sua autoestima e principalmente com a vaidade.

Ela promete jogar fora a peruca que encobre o lento crescimento do cabelo e assumir para todos a doença que vence aos poucos com muita alegria e muita beleza. 


Pauta própria

 A radioterapía se incorpora ao meu dia a dia, como ler jornais pela manhã, ouvir o Mário Neto e o Aldo Vilela na Rádio JC/CBN, marcar entrevistas e telefonar para fontes, mesmo com pouca voz.

O inusitado é que descubro que pela primeira vez cuido de mim mesmo antes de qualquer compromisso.

Batismo de fogo

 Aos 80 anos e com um câncer na laringe, ela é das mais animadas com a recuperação progressiva e com a diminuição das sessões de radioterapia.
 
"Fumei durante 60 anos e agora luto por mais vinte", revela a senhora sempre sorridente e que, como eu, tem horror àquela "máscara de ferro" que nos impede de mover a cabeça durante a radioterapia, mas que sufoca. E o diagnóstico chegou após persistente rouquidão e perda da voz (semelhante ao meu caso).
 
Ao lado de sua acompanhante, sempre de bom-humor e falante, ela me passa a segurança de que a melhor terapia para o câncer é mesmo o afeto. Que o digam as filhas, uma vive no Recife, está quase todos os dias com ela; a outra, residente no Rio de Janeiro, retorna ao Recife pelo menos uma vez por mês para estar com a mãe.
 
As quatro, por sinal, já planejam uma festa para o dia depois da alta médica e o término, enfim, da radioterapia, das dores, das incertezas.
 
Uma festa que terá início com uma missa de ação de graça e um almoço para familiares, amigos e admiradores, que são muitos.
 
Sugiro que o chão seja coberto com folhas de canela, eucalipto ou mirra. "Mas isso é coisa de batizado", lembra a senhora com um sorriso de aceitação.
 
A intenção é essa, explico. Afinal, a senhora festejará o seu segundo batizado, em nome de uma nova vida após tanto sofrimento.
 
Um batismo de fogo.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Palavras que ajudam

 Ganhei da mãe de um paciente, na radioterapía, um exemplar de Mensagens Cordeirão para Reflexão, uma série de pequenos artigos sobre espiritualidade e vontade de viver bem e em paz.

Abri ao acaso: "Tu rezas em tua angústia e em tua necessidade; deverias rezar também na plenitude de tua alegria e nos dias de abundância" . Mensagem do grande Gibran Khalil Gibran, um poeta libanês autor de O Profeta.

Admiro a fé, ainda embutida, daqueles que se esforçam em negar a existência de um Guia Maior nas nossas vidas.

Efeito inesperado

 A radioterapía me surpreende. Em vez de tirar o apetite, tem provocado uma fome danada.

Ontem, almocei duas vezes em um intervalo de três horas e meia.

A radioterapia, porém, tem me dado muita alegria. Minha libido tem estado lá no alto.

Pena que não posso fazer no mesmo intervalo de tempo.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Mulher silenciosa

Todas as manhãs, no mesmo horário, ela chega em uma maca empurrada por dois enfermeiros que a retiram de uma ambulância.

Magra, cabelos curtos, olhos fixos no teto ou fechados, quase sempre, silenciosa na fala e nos gestos.

Aos poucos, na última semana, ela mostra uma cor mais viva no rosto e mais disposição. Às vezes, me surpreendo ao vê-la tentando olhar timidamente para os lados, o que não fazia antes.

Hoje pela manhã, ela fechou os olhos e deixou escapar uma carinha de prazer quando um dos enfermeiros acariaciava a sua cabeça. Não sorriu, mas permitiu que seu rosto resplandecesse (iluminasse?) por um curto momento.

Acho que melhora (pelo menos é o meu desejo).

Disciplina diária

 A radioterapia me tem oferecido disciplina, assiduidade e disposição para cumprir o calendário de 33 sessões estabelecidas pelo médico oncologisata Jonathan Melo contra o câncer.

Aprendo a acordar todos os dias com o despertador, corro para o banho frio e tomo chá de camomila frio (proibição de bebidas e comidas quentes) com frutas, pão e pedaço de queijo. Antes tomo os remédios para controlar a pressão e o refluxo (pressão e refluxo até agora sob controle).

O ruim é esperar pelo ônibus que chega sempre lotado e sem lugar para sentar. Piora nos dias de chuva com o trânsito engarrafado (por que os motoristas não sabem dirigir na chuva e a escapar de um carro ou ônibus parado?).

Graças aos céus que faço do celular um radinho para ouvir a minha JC/CBN, a rádio que fica comigo durante todo o dia. Só não posso ouvir mais a Rádio Jornal porque o celular não pega AM (perco as entrevistas do querido Geraldo Freire, mas posso ouví-las na redação do jornal pela internet).

Histórias de vida

Muitas vezes me surpreendo com a força de vida que toma conta da sala de espera do setor de radiologia do Hospital Real Português.

Essa força se manifesta principalmente quando a cena é muito forte, como a chegada de um paciente em estado deplorável por causa da quimioterapia e desgaste físico ou quando o riso corre solto, contagiando a todos, pacientes e seus acompanhantes.

No primeiro caso, a reação dos olhos é acompanhar a passagem, alguns até ensaiam um gesto de OK com a mão e outros parecem fazer uma breve prece, um pedido a seu santo ou uma torcida interior como se estivesse a dizer "Estou aqui, não desista".

O melhor riso, porém, é quando ele se transforma em gargalhada com as histórias contadas por alguns pacientes. São lembranças de uma vida, amores passado, pura gréia com a amigos e familiares. E cada um tem a sua maneira de contar os causos. Alguns, detalhistas; outros, salientando apenas a chacota, o absurdo da situação ou mesmo a pieguice do fato que nos faz sentir vivo.

Já disse antes o que torno a lembrar: engana-se quem pensa que a sala de espera da radioterapia é antesala da morte.

Ali existe uma força invisível, mas conhecida de todos, que nos une, incontrolável: a vontade de vencer o câncer e viver, viver e viver.

Máscara de ferro

Perguntam como é essa tal "máscara de ferro" usada na radioterapia na área do pescoço e cabeça.

A foto mostra melhor que a descrição. Ela serve para evitar qualquer tentativa de movimento, até os involuntários, quando o ar parece faltar já que, no meu caso, respiro apenas pelo nariz.



A designação "máscara de ferro" é como os pacientes costumam se referir ao artefato, mas ele é feito de polietileno amolecido em água quente e moltado ainda morno no rosto e cabeça do paciente.

Confesso que não sou fã porque ele me dá a sensação de sufoco (e acabo tendo mesmo, viva a sugestão!), mas é ele que me ajuda no combate ao câncer na corda vocal. Então, tenho de aturá-lo durante as 33 sessões de radioterapia.

Pode parecer estranho, mas os poucos minutos que passo usando a "máscara de ferro", cinco vezes por semana, numa sala escura, gelada e à prova de qualquer som externo, são aqueles em que mais penso no milagre de estar vivo.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Sacanagem da vida

 Os três chegaram silenciosos e quase passaram despercebidos na sala de espera da radioterapia.
O carinho do pai e da mãe, porém, chamaram a atenção.
De mãos dadas, a jovem mãe embala o filho sonolento apoiado em seu ombro. Em uma cadeira na fila imediatamente atrás, o pai abraça os dois, protegendo o seu ninho. Como ninguém é de fato tão forte como quer aparentar, ele apoia a testa na cabeça da mulher. Os três estão de olhos fechados e em sintonia. Nçao há muito o que falar além do que já foi ouvido dos médicos. 
No meio dessa trindade (santíssima, claro!), um adolescente. Na verdade, apenas um menino cansado, abatido, silencioso e imóvel. E muito provável sem entender nada, sem saber o porquê da vida lhe cobrar, tão cedo, um preço tão alto para continuar a viver.
O câncer deveria atingir apenas os que já viveram plenamente e com saúde uma vida inteira para que todos possam revalorizar a vida.
Jamais a uma criança, um adolescente, com um futuro pela frente.
Sacanagem da vida.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Flor da pele

A pele do rosto começa a ficar muito seca, a voz cada vez mais fraca e rouca e a barba (totalmente branca, meu Deus) coça muito porque cresce.

Terei de usar um hidratante infantil (se não bastassem a escova de dentes, o creme dental e o xampu, os três para crianças) urgentemente.

A radioterapia é exigente com seus pacientes.

Deixa você à flor da pele.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Rindo à toa

O homem era sério, usava óculos e caminhava a passos largos. Passou pelos pacientes na sala de espera da radioterapia do Real Hospital Português como um jato. Sem olhar para os lados, nem para as pessoas, bateu com a cara na porta de vidro, por pouco não arrancando todo o portal.
 
Bastou um encontro tipo comédia pastelão para todos na sala caírem na maior risada.
 
Risada foi pouco: gargalhada pra deixar qualquer um incomodado, como ficou o pobre do coitado que deixou o prédio sem olhar para trás e sem parar para ver se a porta estava quebrada. Bom mesmo foi ver algumas senhoras sacudindo-se toda como crianças e compartilhando a zoada criada pelos mais jovens.
 
Erra quem imagina que uma sala de espera de uma radioterapia é lugar sinistro, triste e deprimido.
 
É bom que se entenda de uma vez por todas: ali estão reunidas pessoas que procuram viver e querem viver.
 
Ali se espera pelos cuidados médicos ao paciente, o câncer é uma consequência.
 
 

Laços de família

Minha irmã Regina Lúcia está na Itália com o marido e os dois foram até a província de Mugnano del Cardilane, perto de Nápoles, para ver a casa onde meu avô Paschoal Poppa, pai de minha mãe, Edméa, nasceu.

Aproveitaram para passar na prefeitura local para tirar cópia da certidão de nascimento dele (12 de abril de 1904) e procurar pelos parentes desconhecidos e distantes.

Meu avô chegou com seus pais, Antonio e Maria Ingrazia, ao Porto de Santos, em 1914, fugindo do início da Primeira Guerra Mundial. A família foi viver em São Paulo, onde o meu nôno foi sapateiro, tocava violino e criou os filhos. Meu avô Paschoal realizou o maior sonho de sua vida na década de 1960. Tornou-se cidadão brasileiro. Ele já que era corintiano de alma e coração.

Regina Lúcia prometeu enviar fotos da casa, da prefeitura, da cidade e dos parentes que encontrar por lá.

Hoje pela manhã, via sucessivos torpedos, mostrou-se muito emocionada pelo encontro com o seu (nosso) passado.

A família é o melhor remédio para a cura de qualquer doença.

sábado, 16 de junho de 2012

Coisa de irmão

Fácil saber apenas pelo olhar qual dos dois irmãos sofre.
 
Sentados na frente da mãe, que não desgruda o olhar, eles se parecem e se reconhecem, mas um deles carrega aquele olhar voltado para o chão, silencioso, quase sem movimentos. Bem diferente do sadio que percebe a todos que entram na sala de espera da radioterapia, atento ao celular e ao irmão ao lado, que por muito pouco estaria com a cabeça no ombro amigo.
 
Os três formam uma família e se apoiam mutuamente. Visualizo a certeza de como a família é importante para a cura e tratamento de câncer. Principalmente quando o irmão doente é bem jovem, bonito, com gosto para se vestir e usar o relógio, a bermuda de grife, a sandália confortável. Deve ter no máximo 19 anos.
 
Que merda!
 
O silêncio entre os três é comovente, conversam pelo olhar até quando o filho paciente retira dos frascos alguns remédios. O irmão fica ao lado para dar o sustento físico, a mãe imediatamente sai para buscar o copo d'água.
 
E aí acontece o milagre, a mudança. Tudo repentinamente.
 
O irmão sadio coloca o braço atrás do doente, aperta e sacode aquele corpo que parece desabar. Como a dizer, "Ei, cara, estou aqui, não vou deixar você cair".
 
E o outro, até então apático, responde com um sorriso, acredito o mais aberto e agrdecido que pode oferecer no momento.
 
E a vida parece se iluminar.
 
Coisa de irmãos.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Gente atenciosa

Sheila Borges, jornalista da editoria política do Jornal do Commercio, passa por mim: "Como foi hoje?", perguntou sobre mais uma sessão de radioterapia. "Foi ótimo", respondi. "Agora você já está achando ótimo até a radioterapía?", quis saber, na brincadeira. "Não dói nada, juro!", revelei.

Sim, achei ótima porque já estou me acostumando com a "máscara de ferro" que impede qualquer movimento involuntário (e voluntário, claro) do pescoço e da cabeça. Já estou até respirando melhor apenas pelo nariz, já que a boca fica prensada e fechada pela tal máscara.

O problema é saber controlar a respiração com os batimentos cardíacos que, no meu caso, aceleram por causa da secura na boca e a dificuldade em engolir o que sobrou da saliva. Mas nada cruel, horroroso e que não possa ser vencido com o tempo. Espero.

A tal "máscara de ferro" é o nome que os pacientes dão a uma máscara de polietileno (uma espécie de plástico) transparente que é moldada, ainda quente, no rosto e que, ao esfriar, endurece tomando a forma de parte da cabeça, rosto e pescoço.  A máscara é leve e permite a entrada de luz e ar.

Deitado, o paciente recebe a máscara a cada sessão e a mesma é presa à mesa para que a máquina de radioterapia, totalmente controlada por computador, aja apenas na área delimitada pelo médico radiologista, no meu caso, pelo doutor Jonathan Melo, do Real Hospital Português.

A máquina, de último tipo, é semelhante a que existe no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde o ex-presidente Lula fez as sessões de radioterapia,

Mas o que me faz me sentir melhor a cada dia na sessão de radioterapia é a gentileza, a generosidade e o profissionalismo que enfermeiras, médicos e técnicos em radiologia recebem a todos os pacientes de câncer diariamente.

É emocionante ver tanta doação de carinho a quem necessita, na verdade, de mais afeto que radiação.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Cuidados infantis

Xampu de camomila para criança. Pasta dental infantil (Tandy ou Senninha!!!). Escova de dente super-macia para criança. Sabonete líquido de camomila para criança.Toalha macia de algodão.

São alguns dos artigos que já frequentam o armário do banheiro de casa e a bolsa a tiracolo (pasta de dente e escova) que não abandono durante o dia. Exigências da radioterapia para que não aja risco de infecção na pele, na boca e no cabelo. Todo cuidado é pouco, advertem os médicos e enfermeiros.

E ainda tem aquele efeito, que ainda não chegou, da boca seca. Para isso, há algumas recomendações médicas (Oral Balance, Salivan, Saliva Artificial, Malvatricin Boca Seca em spray).

Fora isso, adeus por um tempo (o da radioterapia) ao protetor solar e a qualquer tipo de creme ou produto no rosto e pescoço. Até perfume, coitado de mim, acostumado a tomar banho com as colônias cítricas, a partir de agora só do tóxax para baixo.

O mais difícil está sendo retirar o limão, a laranja, as frutas cítricas de meu cardápio diário. E adeus às pimentas, aos molhos e condimentos picantes e alimentos quentes, duros e pegajosos. Estarei dando preferência aos alimentos em tempatura ambiente, de consistência pastosa e líquida.

Já estou vendo a farra que farei ao final da radioterapia: voltarei com toda a alegria e fome aos suhis e sunomonos e ao atum e salmão encharcados no shoyo e wasabi.

Papai Noel fora de tempo


Não dá para tirar um sarro. O câncer na laringe (no meu caso, corda vocal) tem lá a sua graça e um certo humor.

Não posso mais fazer a barba a partir de agora por causa da radioterapia. A pele fica muito sensível, vermelha e em alguns casos até escura e todo o cuidado é pouco, advertiu o médio Jonathan Melo, do Real Hospital Português, o radiologista que fez o plano da radioterapia e que acompanha meu caso (ele é um dos meus anjo da guarda).

Então poderei ver, enfim, como ficarei de Papai Noel - barba branca e gordo (temporariamente, espero), prato cheio para qualquer publicitário (rsss) ansioso para antecipar uma campanha natalina.

Jamais quis exibir barba branca, nem em bigode branco, apesar de durante 20 anos ter usado uma bem-tratada e cheirosa barba castanho-claro. Achava que, branca, revelaria por antecipação o avanço da idade (64).

A vida me pega cada peça!

O lado útil da radioterapia para quem tem barba cerrada como a minha (sangra em dois ou três pontos no pescoço), com a obrigação de fazê-la todas as manhãs, é que a radio matará de vez com a barba na altura do pescoço.

Ainda bem!

terça-feira, 12 de junho de 2012

Olhos nos olhos



Ela entrou devagar na sala, comos se não quisesse nada. Negra, alta, cabelos recentemente cortados, quase rapados.

Uma bolsa grande marron e um vestido longo coloridíssimo contrastavam com as sandálias havaianas brancas, quase imaculadas. Passou por mim olhando para a frente, talvez tímida, por certo desconfortada, como eu, por estar na sala de espera da radioterapia pela primeira vez.

Ela percebeu de cara que eu a encarava e sorriu. "Gostei", apontei para o cabelo. "Gostei muito", acrescentei tentando mostrar convicção. "Que voz rouca é essa, irmão?", questionou a desconhecida. Contei resumidamente, mas bem rápido, sem perceber que ela já me estendia as duas mãos abertas para o toque da amizade, como as galeras e os namorados fazem. "Vamos vencer juntos, companheiro", vaticinou com a voz grave.

Sem graça, pego de calças curtas, perdi o rebolado e a resposta. Olhos marejados, como os meus, me fitavam firmemente, me viam por dentro, por certo.

Ela seguiu então em frente, sentou-se do outro lado da sala e foi chamada antes.

Quando deixei a sala, ela já tinha ido embora. Agora, torço para revê-la. Para agradecer ou receber de novo aquele sorrizão generoso.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Ânimo redobrado



Manhã paulistana no Recife: garoa fina, um pouco de frio (rssss) e um bom banho gelado para despertar e caminhar um tempo. Presentes que a vida dá aos poucos e que eu apreendo a transformar em ânimo diário.

Tudo após uma boa noite de sono ( e frio, que maravilha!).

PS: Releio após vinte anos o maravilhoso Tempo dos Flamengos (Instituto Ricardo Brennand/TopBooks), do professor José Antônio Gonsalves de Mello, neto (como escrevia o grande Gilberto Freyre).

Cada vez mais entusiasmado com a história de Pernambuco e com as consequências da invasão holandesa.

domingo, 10 de junho de 2012

Basta de queixas



"Queixar-se e culpar os outros andam de mãos dadas. São desculpas fáceis para recebermos um pouco de energia enquanto abrimos mão do controle sobre nossas vidas. Nos permitem não ser a causa de nossa criação. Tiram de nós a responsabilidade pelo que acontece conosco.

"Quer assumir o controle de sua vida? Pare de se queixar e procure razões mais profundas para o que está acontecendo. Busque respostas e as portas se abrirão".

Trecho da Cabala enviado pelo amigo Schneider Carpeggiani, de Barcelona, onde corre diariamente na praia e curte as férias em catalão.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Aprendiz de paciente



Tenho aprendido muito com os pacientes de câncer no Real Hospital Português.

Nós, que carregamos a doença e lutamos contra ela diariamente, temos algo em comum que nos solidariza, une e fortalece.

E nos identifica.

O câncer muda a minha cabeça já que a alma está em paz.

O Blog ganha Vida



Gustavo Belarmino (@belarmino), um dos responsáveis pelo sucesso diário do portal NE10, do Sistema Jornal do Commercio, é o artista que ilustra e dá Vida ao blog.

Ele é danado na arte de desenhar no iPad (2, 3, 4, 5 ...), com o dedo ou com uma canetinha que encontrou na Rua 25 de Março, em São Paulo, por menos da metade do preço cobrado no Recife. E é danado, também, para descobrir e solucionar os macetes da internet e não deixar ninguém no SJCC sem uma resposta a uma dúvida.

Companheiro atencioso, sempre bem-humorado, profissional. Quem quer mais?

Gus, obrigadão!

PS: Gustavo, por favor, dê de presente à Paulinha Schver (@paulaschver) um desenho seu!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Anjos da Guarda



Para quem passou a maior parte da vida sem procurar médico, corri para o doutor João Veiga, amigo de Aldo Vilela (JC/CBN Recife) e Geraldo Freire (Rádio Jornal) e meu amigo.

"O que fazer? Não conheço ninguém", confessei assustado. Para quem soube, bem ou mal, desenvolver pautas no jornalismo, estava completamente perdido. Tinha perdido o lead.

Mas João Veiga sempre soube apontar o melhor caminho, até para encontrar a melhor comida de boteco, mesinhas fartas em estradas, feijão, arroz e farinha de inimagináveis procedências e origens em pequenos armazéns no Interior do Estado.

E as soluções vieram com ele. E, com ele, uma Legião de Anjos, os da Guarda, de primeiro time, que passaram a cuidar de mim a pedido do amigo comum: o cirurgião de cabeça e tórax Bartolomeu Melo, o cardiologista Sérgio Azevedo, o radiologista Jonathan Melo. Estou em ótimas mãos. Anjos com corações e mentes.

Todos do Real Hospital Português, no Recife, uma gratíssima revelação para um jornalista: profissionalismo dos funcionários, equipamentos top de linha (similares ao do Sírio-Libanês, em São Paulo, o hospital dos presidentes) e a gentileza como são tratados os pacientes. Além de uma limpeza impecável.

No Real Hospital Português, posso sentir isso,  respira-se muito mais vida que morte. Convenhamos: para um paciente, fundamental para tratamento e cura.

Lição de vida

"Tem uma coisa que o câncer não suporta: alegria e vontade de viver".



Conclusão do jornalista João Valadares, hoje em Brasília, meu companheiro durante anos na redação do Jornal do Commercio, no Recife.

João Valadares sabe o que fala: sua mãe enfrenta um câncer há cinco anos com muita dignidade, força, coragem e amor. E ainda compartilha a experiência através do blog Turbante de Naire .

Naíre dá uma lição de vida. 

Frutos da terra



Seu Lula é trabalhador rural na Mata Sul de Pernambuco, 74 anos, negro, 1,60m de altura. Homem forte, olhos negros e brilhantes. Fala mansa, que encara a gente nos olhos.

Fui apresentado a ele pelo médico Bartolomeu Melo, cirurgão de cabeça e pescoço, que cuida de mim e dele.

"Você vai compreender o que eu vou dizer, mas ele não vai não", me encarou seu Lula apontando para Bartolomeu Melo. "Ele é o meu salvador e será o seu. Um anjo que chegou na minha vida e estará na sua a partir de agora", me disse numa confissão íntima e sincera, em voz baixa, em pé num corredor hospitalar, para o constrangimento aparente do médico diante de tanta verdade.

"Vencemos o câncer, ele e eu. agora ele me trata como um menino", choramingou Seu Lula, com os olhos tão marejados que não pude deixar de enxergar nele um garotinho de pele maltratada pelo sol e mãos calejadas pelo trabalho suado e sofrido no campo. E, apesar desses sinais testemunhais de uma vida, Seu Lula é suave como a brisa que bate no rosto na gente em dia quente de sol a pino.

Minha reação foi abraçá-lo em silêncio, não precisava comentar nada. Seu Lula tinha dito tudo. Só não segurei o choro, foi demais para quem sabia, como eu, que estava a dois dias de uma biópsia que confirmaria o câncer.

E ali ficamos os três, emocionados, sem graça e radicalmente unidos pela doença.

Seu Lula teve um câncer de laringe e está em manutenção técnica há três anos, exame que faz mensalmente com o dr. Bartolomeu Melo. Ele foi paciente do Hospital Oswaldo Cruz, onde foi operado e fez o tratamento, mas como o aparelho de vídeolaringoscopia, essencia para o exame de acompanhamento da doença, está quebrado há muitos anos, o doutor Bartolomeu Melo o recebe em seu consultório no Real Hospital Português para a manutenção mensal - o profissional não abandona seu paciente, procura caminhos, atalhos e saídas para o melhor atendimento e a busca da saúde.

Pelo menos é como ensina e pratica o doutor Bartolomeu Melo.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Efeitos colaterais



O que já aprendi com a doença: que sou "morrível", na correta expressão da jornalista Luisa Modesto, do meu JC. Que não sou o centro do mundo. E que deixei de ser vítima da doença. Mas continuo com um baita mêdo da morte. Sou um cagão!

O melhor remédio



Descobri que o melhor remédio para o câncer está bem aqui ao meu lado: tantas manifestações de solidariedade, amizade, carinho e afeto. Não posso querer mais. Obrigadão a todos, sempre!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Diagnóstico certeiro



O primeiro diagnóstico chegou após uma videolaringoscopia, a primeira após um ano de tosse, rouquidão e perda progressiva da potência da voz. Tive até de abandonar, por minha iniciativa, a Rádio JC/CBN Recife onde tinha, diariamente, às 16h45, alguns minutos ao vivo com o radialista Aldo Vilela para comentar, quase sempre, a política pernambucana e nacional, o que me dava enorme prazer e para o qual passava o dia me preparando.

A parceria com Aldo Vilela não tinha roteiro, nem texto. Eram improvisos diários, espontâneos e bem críticos. Há 25 anos não consultava um médico para exames e ainda me gabava que nunca ficava doente. Que idiota. "É um tumor na corda vocal, não dá para saber se maligno ou benigno, mas tem todas as características de maligno", revelou o otorrinolaringolista Luiz Antonio Barbosa da Silva.

O que faço agora?, indaguei. "Procure um cirurgião de cabeça e tórax", aconselhou. Os primeiros quatro dias foram terríveis, inesquecíveis. "Puxaram meu tapete, preciso de mais cinco anos para ler, reler, escrever e ouvir música, meu Deus", lamentava em silêncio, tentando uma negociação com Ele. Era, afinal, a maior vítima do mundo enquanto as pessoas ao meu redor exibiam uma invejável saúde. Morria de mêdo de morrer.

Este blog nasceu de uma piada



Quando o sambista Xico de Assis, responsável pelo arquivo do Jornal do Commercio, ficou sabendo do resultado da biópsia, ficou mudo, pelo menos durante um minuto, o que é um tempão para ele ficar sem falar. "Mas, Scarpa, veja o lado bom da coisa. Você está imenso de gordo, vai ficar magrinho, careca, poderá fazer tatuagens e usar roupa de grife tamanho 42. Vai ser o máximo", ponderou.

Sem mais, deu uma sonora gargalhada no meio da redação, virou as costas e se mandou. Assustado com a reação, comecei a rir. E pensei: Preciso dividir o que tenho ouvido, vivido e sentido. A partir de agora, entro em uma nova etapa de minha vida aos 64 anos e onze meses antes da aposentadoria por tempo de vida e de serviço.

Tenho um câncer na corda vocal direita, inicio a radioterapia e continuo apaixonado pela vida. Agora, de uma maneira diferente. Afinal, um câncer não é alguma coisa que esperamos nem desejamos a ninguém.